Articles

Surfactant

3.3 Ácidos biliares e microbiota

Ácidos biliares são moléculas de esteróides que actuam como tensioactivos para ajudar na digestão da gordura dietética no tracto gastrointestinal. Os ácidos biliares são sintetizados no fígado e metabolizados por múltiplas enzimas derivadas de bactérias intestinais. Recentemente, foi estabelecido que os ácidos biliares são críticos para a regulação da fisiologia do hospedeiro e microbiana, e que a desregulação dos ácidos biliares poderia levar a condições patológicas no intestino, incluindo inflamação agravada e sinalização oncogênica (revisado em Jia et al., 2018; Ridlon et al., 2014).

Ácidos biliares são sintetizados pelos hepatócitos do hospedeiro ou metabolizados por bactérias intestinais para produzir ácidos biliares primários ou secundários, respectivamente (Ridlon et al., 2016). Os ácidos biliares primários são sintetizados pelo citocromo P450 – oxidação mediada do colesterol em hepatócitos. Os seres humanos geram principalmente dois ácidos biliares primários, o ácido cólico (CA) e o ácido fenodeoxicólico (CDCA). Esses ácidos biliares são facilmente conjugados aos aminoácidos taurina e/ou glicina pelo ácido biliar: CoA sintetase e ácido biliar-CoA: aminoácido N-aciltransferase para formar ácido taurochólico (TCA), ácido taurochenodeoxicólico (TCDCA), ácido glicocólico (GCA) e ácido glicochenodeoxicólico (GCDCA). Os ácidos biliares primários recém-sintetizados são secretados do fígado para o canalículo biliar, liberando finalmente na luz intestinal para sua função: emulsificação e absorção de lipídios do intestino delgado. Os ácidos biliares secretos no intestino delgado podem ser reabsorvidos no íleo distal pelo transportador apical de BA dependente de sódio (ASBT) e onde então se ligam à proteína transportadora de ácidos biliares ileais (IBACP) para serem transportados para a veia porta através do transportador de soluto orgânico α/β (OST-α/β) (revisado em Dawson, 2011; Jia et al, 2018).

Ácidos biliares primários não semelhantes, a produção de ácidos biliares secundários envolve microbiota intestinal. Os anaeróbios intestinais incluindo Bacteroides, Eubacterium, e Clostridium são conhecidos por desconjugarem ácidos biliares conjugados com a taurina e com a glicina, gerando ácidos biliares livres não conjugados. Anaeróbios incluindo Bacteroides, Clostridium, Eubacterium, Lactobacillus e Escherichia podem então exercer a 7α/β-dehydroxylation para converter os ácidos biliares primários não conjugados, CA e CDCA, em ácidos biliares secundários, ácido deoxicólico (DCA) e ácido litocólico (LCA) (Jia et al., 2018).

As ácidos biliares têm propriedades detergentes, altas concentrações de ácidos biliares têm o potencial de causar danos às membranas celulares e estimular mecanismos de reparação subsequentes, resultando num ambiente potencialmente favorável à tumorigenese via hiperproliferação de células indiferenciadas (Nguyen et al., 2018). Considerando que uma dieta com alto teor de gordura aumenta os níveis de ácidos biliares tanto na luz intestinal quanto nos tecidos adjacentes (Dermadi et al., 2017; Fu et al., 2019), é possível que uma DAF possa também contribuir para o desenvolvimento de CRC através do aumento da síntese e secreção de ácidos biliares. De fato, foi mostrado que uma DAF tende a aumentar a conjugação taurina dos ácidos biliares para formar mais TCA, mudando o pool de ácidos biliares e também a população de microbiota intestinal (Devkota et al., 2012; Ridlon et al., 2016). Especificamente, HFD com alto conteúdo de SFA limita notavelmente a riqueza e diversidade da microbiota intestinal murina e induz a proliferação de B. wadsworthia, um membro da Proteobacteria, que utiliza ativamente TCA (Devkota et al., 2012). O florescimento induzido por HFD de B. wadsworthia promove a geração excessiva do composto genotóxico sulfeto de hidrogênio (H2S) e a suscetibilidade à inflamação associada à imunidade ao TH1 (Devkota et al., 2012). Estes estudos sugerem o possível envolvimento de HFD e ácidos biliares no desenvolvimento de CAC através da regulação de microbiota.

Consumo de uma dieta ocidental que é enriquecida com proteína animal e gordura tem demonstrado aumentar significativamente o DCA fecal e seus metabólitos em humanos. Isto fornece mais evidências de que a gordura dietética altera criticamente os pools de ácidos biliares, bem como os produtos derivados de bactérias (Reddy et al., 1980). Também tem sido relatado que os ácidos biliares secundários são críticos na tumorigenese da CRC. Farhana et al. esclareceram que os ácidos biliares secundários, DCA e LCA, podem regular as células estaminais do cancro do cólon (Farhana et al., 2016). O tratamento com DCA ou LCA em células epiteliais humanas normais do cólon (HCoEpiC) aumentou significativamente a expressão de marcadores de células-tronco cancerosas (CD44, CD166 e ALDHA1), assim como genes de pluripotência (KLF4, Nanog, OCT4 e SOX2). Além disso, o tratamento DCA/LCA aumentou a formação de esferóides do HCoEpiC em cultura 3D, e activou a sinalização Wnt/β-catenin, sugerindo que os ácidos biliares secundários contribuem para o aumento da estenose das células cancerosas do cólon. Outro estudo também demonstrou que o DCA promove ativação do receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) e carcinogênese intestinal através do envolvimento do ADAM-17, um membro da família ADAM de metaloproteases, resultando na maturação proteolítica do ligante solúvel EGFR, amphiregulin (Dong et al., 2018). No conjunto, estes estudos sugerem que a elevação do ácido biliar secundário mediada por DFF poderia contribuir para a progressão do câncer nos tecidos intestinais.

Ácidos biliares também podem ser importantes moléculas sinalizadoras atuando como ligantes endógenos de múltiplos receptores órfãos de núcleo, incluindo o receptor farsenoide X (FXR), receptor de ácido biliar acoplado à proteína G (TGR5), receptor X pregnante (PXR), receptor de vitamina D3 (VDR), e receptor constituinte androstane (CAR) (Forman et al.., 1995; Jia et al., 2018; Mora et al., 2008). Especificamente, FXR é o regulador mestre do metabolismo de ácidos biliares e ácidos biliares não conjugados, como CA, CDCA, DCA e LCA, são agonistas de alta afinidade para FXR (Parks et al., 1999). FXR funciona para manter a homeostase dos ácidos biliares na circulação enterohepática. Por exemplo, a ativação da FXR hepática pelos ácidos biliares causa inibição da biossíntese dos ácidos biliares e, em vez disso, aumenta seu efluxo, limitando assim o acúmulo de ácidos biliares nos hepatócitos. Ao mesmo tempo, a ativação da FXR intestinal restringe os níveis de ácidos biliares nos enterócitos facilitando o efluxo dos ácidos biliares para a veia porta e inibindo o transporte dos ácidos biliares da luz intestinal, facilitando a excreção dos ácidos biliares (Jia et al., 2018).

Além da regulação da homeostase dos ácidos biliares, a FXR está associada ao desenvolvimento de CRC em modelos murinos. Ratos deficientes em FXR exibiram aumento da profundidade da cripta intestinal e proliferação de células epiteliais intestinais (Maran et al., 2009). Adicionalmente, a deleção da FXR aumentou o desenvolvimento de adenocarcinoma colônico tanto em camundongos tratados com APCMin/+ quanto com AOM (Maran et al., 2009), sugerindo que a desregulação e/ou inibição da FXR pode resultar em maior incidência de desenvolvimento de CRC. Curiosamente, HFD é relatado para inibir a ação da FXR (Dermadi et al., 2017; Fu et al., 2019). A alimentação com HFD diminuiu a expressão de várias proteínas transportadoras de ácido biliar, tais como ASBT e OST-β, a jusante da FXR, embora a expressão da FXR não tenha sido alterada (Dermadi et al., 2017). Entretanto, estes ratos alimentados com HFD mostraram alongamento de criptas intestinais e proliferação epitelial, semelhante aos ratos deficientes em FXR (Dermadi et al., 2017). Estes dados sugerem que HFD inibe a ativação da FXR através do transporte de ácido biliar diminuído e promove a proliferação epitelial intestinal pela inativação da FXR. Da mesma forma, o ácido tauro-β-muricólico induzido por HFD e a função da FXR intestinal antagonizada por DCA resulta em proliferação e dano ao DNA em ISCs (Fu et al., 2019). Estes estudos sugerem que a inativação da FXR pode desempenhar um papel crítico no desenvolvimento de CRC/CAC excerbatido por HFD.

Ácidos graxos de cadeia curta derivados de bactérias (SCFAs) também podem ser fatores importantes no desenvolvimento de CRC/CAC mediados por gordura na dieta. O butirato de SCFAs (C4:0), propionato (C3:0) e acetato (C2:0) são gerados pela fermentação bacteriana das fibras dietéticas. Estes SCFAs podem ser absorvidos pelos colonócitos através de difusão simples e/ou transporte mediado por SLC5A8 (Ganapathy et al., 2013). Os SCFAs, especificamente butirato, são conhecidos por exercerem efeitos preventivos no cancro do cólon, devido em parte à sua capacidade de inibir a deacetilase histónica (HDAC) (Chen et al., 2003). A microbiota intestinal desempenha um papel significativo na síntese de SCFA, com espécies específicas de bactérias implicadas na sua produção. Portanto, a alteração da composição da microbiota pode resultar em capacidade diferencial de produção de SCFAs a partir da fibra dietética. Os papéis específicos para DAF na alteração da microbiota intestinal, geração de SCFA e CRC/CAC ainda não foram identificados.

A alteração mediada por DAF dos ácidos biliares leva a importantes mudanças no ambiente intestinal e na sinalização molecular. Especificamente, alterações dietéticas no microambiente podem alterar as populações de microbiota intestinal resultando em tensões inflamatórias e genotóxicas adicionais. A DAF também promove a estenose no epitélio intestinal regulando a proliferação e o envolvimento de receptores nucleares. Juntos, estes estudos implicam na regulação do ácido biliar em múltiplas vias que contribuem para a CRC.